Monday, June 04, 2007

Viagens


Há algum tempo, não quando os animais falavam, mas quando eu ainda actualizava este blog mais do que uma vez por ano, prometi falar-vos de viagens. Esta semana, quando outra viagem se avizinha, vou cumprir essa promessa.

Vamos começar por esclarecer uma coisa. Eu não sou um tipo muito viajado. Em Portugal, o mais acima que fui foi à Guarda. Para sul, conheço melhor e até já passei umas temporadas em terras alentejanas e algarvias. Até há bem pouco tempo, nem sequer tinha dado um pulito a Espanha (e ainda não dei, mas já fui a alguns sítios mais longe...).

Podem então ver como foi a perspectiva de ir a Geneve, flying solo, quando nunca sequer tinha posto pé dentro do aeroporto. Confesso que foi algo que me deu que pensar. Mas fui, claro que fui, ou não fosse eu português, descendente de grandes descobridores do desconhecido e parte de um povo capaz de experimentar quase tudo, pelo simples prazer de depois poder dizer mal do que se experimentou! Para mim, um simples rapaz do campo, isto foi uma grande aventura e perdoem-me assim aqueles para quem o mundo dos ares é um segundo lar, pelo meu desabafo neste blog.

Foi assim, que no passado dia 31 de Janeiro, rumei a Geneve. Diga-se que para quem nunca tinha viajado, até nem me saí muito mal no aeroporto. Cheguei a horas, fiz o check-in, passei pela segurança sem ter de tirar os sapatos e nem sequer mandaram ninguém apalpar-me (e não, não fiquei desiludido. A coisa mais parecida com uma mulher era uma segurança de quase 2 metros de altura e 150 kg de peso!).

Então, começou a odisseia. Foram longos minutos de terror. Pessoas a serem sacudidas de um lado para o outro. Toda a gente apertadíssima. O barulho dos motores sobrepunha-se a tudo. A vibração fazia com que todos tremessemos. As pessoas estavam todas aterradas, cerrando os dentes e esperando pelo melhor. E foi então que tudo terminou. O autocarro do terminal chegou perto do avião e pudémos embarcar no nosso Airbus, o “Fernando Pessoa”.

Diga-se de passagem, quem sobreviveu aos autocarros que nos levam do terminal ao avião e seus condutores, sobrevive a tudo. Entrei então no avião com reforçada confiança. Hospedeiras simpáticas. Bom. Lugarzinho à janela. Bom. Ninguém no lugar ao lado. Muito bom. Filmes de segurança. Terrível.

Eu tenho a minha própria teoria sobre os filmes de segurança. Acho que aquilo do cinto de segurança é só para que, no caso do bicho se despenhar, poderem identificar os cadáveres pelo lugar onde iam. Convenhamos, um corpo carbonizado num monte pode ser qualquer um, mas um corpo carbonizado no 4B? É o sr. Lopes, de certeza. Sejamos honestos, quando alguém está envolvido num acidente de viação a 200 km/h, levar cinto salva-lhe a vida? Não. E querem fazer-me acreditar que num avião a despenhar-se a 900km/h isso vai fazer diferença? Yeah, right. Arranjem outro para enganar.

Assim, o filme de segurança é só uma invenção para o pessoal se manter sentado enquanto as hospedeiras contam os lugares e fazem as contas para ver se têm sumos e sandochas para toda a gente.

Depois do filme, a descolagem. Isso sim, é giro. Aquelas duas ventoínhas debaixo das asas a que os tipos chamam motores ainda têm alguma potência. E o arranque, vulgo disparo daquilo é interessante. Bem, diga-se em abono da verdade que alguns Saxo Cups dos picanços na 24 de Julho deixavam o avião a milhas, mas experimentem pôr 200 pessoas num Saxo Cup e vão ver (não só anda mais devagar como também não se pode estar lá dentro com o cheiro a sovaco). Voltando à descolagem, para mim o voo todo vale sobretudo pelo momento em que o avião descola, e em que toda a gravidade do mundo se concentra em nós e nos tenta puxar de volta para o chão. É esse instante de incerteza, “será que a gravidade hoje vai conseguir?”, que faz com que tudo valha a pena. Para os mais atentos, durante esta altura, o que ocorre dentro do resto do avião também é digno de nota. Alguns fecham os olhos, noutros vemos nitidamente que estão a rezar, e há até quem não consiga reprimir um gritinho ou um “madonna santíssima” como ouvi no outro dia ao descolar de Milano. Curioso como a Madonna, sendo apenas uma cantora pop, consegue estar nas bocas do mundo por todas as razões e mais alguma, incluindo descolagens em tardes solarengas.

O voo em si, está algures entre a viagem de autocarro e de comboio. O mesmo espaço para pernas que o autocarro. A mesma possibilidade de ir dar uma volta pelo corredor do comboio. Perde-se a vista assim que se chega à altitude de cruzeiro. Salva-se o lanche. A bela da sandocha e do Compal de laranja. A título pessoal, prefiro a sandes de carne assada à sandes de paio. E a mousse de café à mousse de chocolate e laranja. Mas isso são gostos.

Depois há uma variável interessante em todos os voos. A possibilidade de turbulência. Para mim, a turbulência é estilo um salvo-conduto para uma viagem descansada. Não há cá malucos a passear no corredor e a fazer uma barulheira infernal. Toda a gente sentadinha e caladinha a pensar que se aquilo cai, vai ser uma chatice, e todo o sossego para poder defrutar de uma janela cheia de solzinho enquanto se vai ouvindo o nosso leitor de mp3.

Quando o voo chega ao fim, a aterragem não tem metade da piada da descolagem. Assim que as rodas tocam no chão, fica-se com aquela sensação que muitos experimentaram na sua primeira vez no amor carnal: “O quê, já acabou?” “Pareceu-me bom, mas foi tão curto...”.

Não podia terminar sem vos deixar um dos meus momentos favoritos em todas as viagens:

Senhores e senhoras passageiros, thisi you captain speaken...”. Aquelas traduções elaboradas de “Em Milão estão 27 graus e não há uma nuvem no céu” para “In Milan is tuente seve grees and not is a cloud in sky”, ou “Viajamos a 900km/h a uma altitude de 11.500 pés” para “We travel at nine cent quilometres per aure at a high of eleven thousand five cent foots.” são um ex-libris da TAP. Um must.

Ladies and Gents, next Monday, I’ heading back to Geneva. Wish me luck!